quinta-feira, 27 de outubro de 2011

MORTE: sono profundo


Descrever a morte de algo ou alguém parece fácil. No entanto, dissertar sobre a morte é uma tarefa difícil, principalmente por se tratar de uma realidade exclusiva dos seres humanos. O acontecimento da morte é comum a todos os seres, mas o pensamento da morte é exclusivo do homem. É pelo pensamento que o homem pode vivenciar a presença da morte sem acontecer de morrer, de fato.

Afinal, o que é a morte? A morte é um fim em si mesma? Um fim do próprio corpo, e, conseqüentemente, a dissolução do seu verdadeiro ser? Ou, ao contrário, o homem possui um “eu” que não pode ser alcançado pela morte? Em qual relação se encontra o espírito com a matéria?

A morte é a dissolução de um organismo vivo, em razão do desaparecimento daquela força singularíssima que o mantinha fortemente unido, que é a vida. Ou seja, a questão da morte está estreitamente relacionada com a da vida. Portanto, interessa e muito ao homem, principalmente quando lhe toca diretamente, na primeira pessoa.

Todos sabem que um dia vão morrer, porém não suportam dialogar sobre o assunto. Aliás, evitam ao máximo falar a palavra “morte”, a qual parece uma realidade muito distante, pois a vida ah, a vida, essa é da maior importância...

A morte representa um grande mistério, acima de qualquer compreensão humana. Ela sempre chega de surpresa, até mesmo quando o indivíduo encontra-se em estado de saúde delicado, todavia, continua lutando pela vida e, de outro lado, a família, bem como os amigos, esperançosos por uma possível recuperação. Racionalmente falando, ela é a única certeza da vida, posto que o “morrer” não deixa brechas para possíveis indagações. É uma experiência una que só se desvenda seu segredo quando chegada sua vez.

Certamente, a morte não é o fim. O fim está na desistência de continuar vivendo na mesma ambiência em que pairam o desconhecido, o medo, as dúvidas, as incertezas, a ausência de harmonia entre o ser e o ter, e em alguns casos, a própria renúncia à vida.

Parece absurda, entretanto não é, a tese de que pensar na própria morte ensina o indivíduo a continuar a vida, a partir do instante em que ele reflete sobre a possibilidade de estar cara a cara com a própria morte. Pensar sobre a própria morte representa, por um lado, a interrupção das atividades habituais e, por outro, não faz parte do dia a dia da maioria das pessoas. Deve-se levar em consideração que não apresenta qualquer sinal aparente; pertence exclusivamente à vida interior do espírito e é capaz de interromper o cotidiano. É algo que está dentro do indivíduo e não fora.

O fenômeno da morte interessa tanto que as ciências tendem cada vez mais a desenvolver métodos para proporcionar à humanidade maior e melhor qualidade de vida, a fim de prolongá-la, ou, quem sabe, decifrar o indecifrável, porém, há uma grande diferença entre existir e viver.

Algumas pessoas simplesmente existem; outras vivem. As primeiras sofrem mais com a idéia de morte, têm uma visão limitada da vida, estão preocupadas apenas com o seu bem estar, com o que é melhor para si, vivem num mundinho fechado e mesquinho. Já as segundas, vivem com um ideal, têm um projeto de vida, acreditam que podem fazer algo positivo pela humanidade, pensam no próximo, em construir algo, não importa o tamanho da obra.

Para a filosofia existencialista, o ponto chave está no conceito de tempo, posto que o homem nasce e morre no meio do tempo. É impossível para ele imaginar um tempo em que não esteja presente, tanto no passado como no futuro. Assim, não faz sentido falar sobre o tempo como algo fora e independente do homem. Esse homem identificado com o tempo, denominado “o existente” ou “o homem-tempo”, é o objeto de estudo da filosofia existencialista e o seu modo de ser é chamado “existência”. Não se pode falar da existência de uma pedra, ela não é um “existente”, no máximo pode-se chamá-la de “ente”, portanto, só o homem existe.

Aliado a tudo isso, há, ainda, a tristeza de quem perde um ente querido.

Ao ser entrevistado, o psiquiatra inglês Colin Murray Parkez[1], que lidou por mais de quarenta anos com dramas cotidianos, tais como aqueles vividos pelas famílias que perderam alguém no leito do hospital, diz o que alivia e o que agrava o sofrimento causado pela perda de alguém próximo.

Segundo esse médico, dizer a verdade sempre ajuda, pois “... quando uma pessoa está morrendo, muitos, querendo ajudar, cometem o erro de fingir que ela não está doente: ‘Você está com uma cara ótima hoje!. É mentira e o paciente sabe disso, mas compactua com um fingimento para proteger o familiar. Isso cria uma situação horrível!” e conclui: “o fato é que ninguém sabe lidar direito com a morte”.

Na realidade, muitos se sentem frustrados por que vivem num mundo em busca de novos prazeres, a fim de satisfazerem a sede de infinito. Vivem num mundo de ilusões, esquecendo da realidade, esperando o grande momento de suas vidas. Não vivem nem o presente nem o passado, almejam um futuro deslumbrante, maravilhoso, cheio de glória, sem fazer o dever de propiciar esse futuro.

Em matéria religiosa “a morte não é senão um sono profundo (Jo 11,11), e os cemitérios, vastos dormitórios. Os que repousam no pó da terra despertarão para a felicidade eterna, outros para as trevas e castigo também eternos (Dn 12,2)”.[2]

Ora, o homem não é um ser para a morte, mas para a vida, o que representa afirmar e ao mesmo tempo superar a morte, sendo clara a doutrina de Jesus Cristo: depois da morte virá a ressurreição e todos terão a mesma sorte que Ele: viverão para sempre!

Finalmente, aos olhos da fé cristã, e certamente essa é a conclusão mais apropriada, diante do mistério da morte, só pode corresponder um outro mistério: o da morte temporal em função da vida eterna, sendo a morte ao mesmo tempo realização e evento, pois, para o cristão a morte humana tornou-se um evento de salvação para Cristo e o mundo. Assim como Cristo permanece um mistério, a morte também, contudo um mistério iluminado, o verdadeiro caminho da salvação e “Quem se abre a Ele verá abrir-se diante de si um caminho de luz”.[3]

Brasília-DF, 27.10.2011
Maria Auxiliadôra Martins Melo
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A dor da morte. Veja, edição 2021, nº 32, p.11/15, 15 ago. 2007.
Dicionário de Teologia Fundamental. Dirigido por René Latourelle e Rino Fisichella. Tradução de Luiz João Baraúna. Petrópolis/RJ: Vozes; Aparecida/SP: Santuário, 1994.

Discussão: Martin Heidegger. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/especial. Acesso em: 02/11/2007.

MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de J. Renard; revisão técnica de Danilo Morales; revisão literária de Luiz Antônio Miranda. São Paulo: Paulus, 1980. p. 314.

Morte e filosofia. Disponível em: http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_textos/morte_e_filosofia.htm. Acesso em 02/11/2007.

Ressuscitaremos: sim, ou não? Revista Mensal dos Arautos do Evangelho, ano IV, nº 71, p.10/15, novembro/2007.

Revista Espaço Acadêmico - nº 44 – janeiro 2005. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/. Acesso em 02/11/2007.

Revista Espaço Acadêmico- nº 30 – novembro 2003.. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/. Acesso em 02/11/2007.



[1] A dor da morte. Veja, edição 2021, nº 32, p.11/15, 15 ago. 2007.
[2] Ressuscitaremos: sim, ou não? Revista Mensal dos Arautos do Evangelho, ano IV, nº 71, p.10/15, novembro/2007.
[3] Dicionário de Teologia Fundamental. Dirigido por René Latourelle e Rino Fisichella. Tradução de Luiz João Baraúna. Petrópolis/RJ: Vozes; Aparecida/SP: Santuário, 1994.

Um comentário:

  1. Muito interessante. ..enquanto muitos evitam falar sobre o tema, eu gosto.

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